O Identitarismo é o Espantalho do Debate Político Contemporâneo

COLUNA PAULO IOTTI

Paulo Roberto Iotti Vecchiatti

11/27/20242 min read

A crescente visibilidade política e acadêmica das últimas décadas sobre demandas de pessoas que integram distintas minorias sociais, enquanto grupos socialmente marginalizados, tem gerado dois efeitos contraditórios. O primeiro, positivo e esperado, relativo a uma maior consideração social sobre as demandas e visões de mundo de pessoas que antes eram pura e simplesmente ignoradas, além de silenciadas, por consideradas "moralmente desprezíveis" ao ponto disso em si "justificar" que sequer fossem ouvidas em razão dos preconceitos sociais contra elas. O segundo, como reação lamentável, embora historicamente previsível, relativo a um desmerecimento das demandas de tais grupos sociais, por supostamente "prejudicarem" outras "grandes lutas" sociais, consideradas "mais relevantes". E isso vindo tanto de movimentos e partidos de esquerdas tradicionais quanto das direitas.

De ambos os lados do espectro político, o termo "identitário/identitarismo" passou a ser usado como uma carta(da) coringa para desqualificar a defesa de direitos de minorias sociais, como algo supostamente "autoevidente", em evidente tentativa de estigmatizar a pessoa chamada de "identitária". Isso porque visa declarar uma posição em defesa de direitos de minorias sociais como supostamente "indefensável" e "puramente ideológica" no sentido pejorativo do termo, como algo que definitivamente "não é sério" e que, por isso, ou não merece consideração ou merece ser visto como algo "secundário" e que "mais atrapalha" do que contribui para a evolução social e humana em geral.

Paulo Iotti | Acervo pessoal

Acusar alguém de "identitário/identitarismo" é a nova katchanga real dos debates políticos, sociais e acadêmicos. A ideia de "argumento da Katchanga" se popularizou no meio jurídico com uma publicação do prof. Georges Marmelstein em seu blog,1 relatando uma história que o prof. Lenio Streck explica ter sido originada em lições do prof. Luiz Alberto Warat, para denunciar o jogo de cartas marcadas que configura a prática da dogmática jurídica2, (eu apenas ressalvaria, a prática de deturpação da dogmática jurídica). Para sintetizar: em um cassino que era obrigado a realizar qualquer jogo, um forasteiro apareceu e desafiou o croupier a jogar um jogo de cartas, o jogo da katchanga, o qual "se aprende, jogando". Iniciado o jogo, distribuídas as cartas iniciais a cada jogador, comprando duas cartas do baralho, o forasteiro-desafiante gritava "Katchanga!", para dizer que tinha conseguido o conjunto de cartas necessário para vencer o jogo imediatamente, sem explicações. Ocorrido o fato algumas vezes e após diversos prejuízos (afinal, os jogos envolviam apostas em um cassino), o croupier que estava aprendendo percebeu que qualquer conjunto de cartas que o outro formava era irrelevante, vencendo o jogo quem gritasse "Katchanga" primeiro. Então, propôs um jogo final, na lógica do "tudo ou nada", para recuperar o prejuízo sofrido até ali, e assim que recebeu seu conjunto inicial de cartas, o croupier gritou "Katchanga!", esperando vencer. Mas seu sorridente interlocutor-desafiante afirmou em segunda, "Katchanga Real!" para, sem explicações, recolher tudo e vencer o jogo.

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Texto originalmente publicado no site Migalhas no dia 13 de novembro de 2024: https://www.migalhas.com.br/depeso/419178/acusacao-de-identitarismo-como-a-katchanga-real